Ana




Boa noite tristeza, boa noite saudade!

Era tarde, muito tarde até mesmo para dormir, com os olhos fechados e a porta entreaberta, espera pela chegada ilusória de alguma coisa discrimidamente forte e sonifera.
Inútil espera!
As visões atordoadas falam de personagens mortos, de suicidio moral, de abnegação...

A canção ao longe, lembra alguma coisa distante, não vivida, pelo menos não ali, o aperto no peito, aquele mesmo que tantas vezes lhe tirou o sono, falam mais por si do que as lágrimas nos olhos.
Vai até a cozinha, pega um copo d'água, mas ainda sente todos os poros áridos. Alguma coisa entre adolescencia e maturidade precoce a incomodam, a fazem pouco esperta embora muito experiente. Senta na sacada, olhando o dia frio... Amanhecera assim? Quais serão as águas a correr agora? E aquelas atitudes piegas e distorcidas pelo amor recondito? O que importa as palavras não ditas, se o tempo não parou? Recolhe-se ao quarto novamente, um belo sepulcro contemporâneo! Veste-se para despedida de si, a roupa de gala levemente engomada, o olhar soberano como quem afirma a não precisão da vida ingrata.
Olha fixamente o livro jogado no chão, biografia de um poeta vangloriado depois de decomposto pelos vermes.
Nas mãos, suas obras não comerciais, papéis e ratalhos de lembranças ofuscadas pelo tempo. Que os vermes também decomponham os traços de sua tristeza. Reconhecimento depois do túmulo, é glória inutil pra quem não pode mais voltar.
Desabafos imaturos não devem servir de base a nenhuma outra pessoa também perdida. Poemas mortis, infectados pela desistência precoce do mundo egoista, tomado por rótulos e padrões imbecis. Quem quer fazer parte da corja de assassinos que faz imposições a perfeição etérea? Seja um deles, ou morra! Use todas as suas armas, deixe-se morrer sufocado pelo vômito recolhido, torture-se, não imponha, negue, não chore, não dramatize, entregue-se...
O sonho afugentado já não suprime o medo, escravidão demência, prolixidade generalizada, anjos e demônios não aplacam a solidão.
Mas quem são eles? Em quem confiar? Quais portas abrir? Deite-se em posição fetal, feche os olhos e reze, não há saída, a fita vermelha no braço, lembra bem quem você escolheu ser, você agora é um deles, desistiu em vida do que era você de verdade.
O sorriso morto, demonstra que preces podem não ser atendidas.
Ela agora faz parte de você, te faz sucumbir e implorar, e no fundo você aprecia essa doce entrega.

"Imagine um desfile
Na minha cabeça elas parecem mais carnudas

Lágrimas de crodilo
Queimam o meu filme
Ana você é minha obscessão
Eu te amo até os assos
E Ana destrói sua vida
Como uma vida de anorexia"

(Silverchair - Ana's Song)

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